27.7.11

O orgulho, a soberba e a picada da mosca azul


“A soberba não é grandeza, mas inchaço,
e o que está inchado parece ser grande,
mas não é saudável”.
Agostinho



Você já ouviu falar sobre alguém ter sido picado pela mosca azul? Já viu o insetinho cor de anil, voando por aí? Eu só conheço as moscas varejeiras, que aliás, são repulsantes demais. Elas mais parecem aqueles aviões antigos da aeronáutica. Como conseguem levantar voo? Sei lá!

Como disse, entretanto, nunca vi moscas azuis, mas os efeitos naqueles que foram picados por ela, isto já. E creio que você também já viu.

A lenda da mosca azul

A história vem de uma antiga lenda oriental, na qual um servo foi picado pelo inseto e, a partir daí, começou a se olhar como o próprio sultão. Embevecido, ele se despersonaliza e se acha muito mais importante do que é.

Eu acredito que o inseto deve ter sido inventado pelo "Pai das Moscas" ou Belzebu, conforme Satanás, o diabo, é chamado por Jesus, nas Escrituras, porque tanto a vaidade, como o apego ao poder, a soberba e o orgulho são características encontradas no exame de sangue de suas vítimas.

É por isso, que se diz nos meios sociais e políticos que a pessoa foi "picada pela mosca azul", porque logo após ter assumido uma posição importante, encheu-se de vaidade e orgulho a ponto de perder a sua personalidade. É como se entrasse num estado de alucinação, em que "a vítima" ficou sem noção. Será que o famoso sem-noção se encaixa aqui?...hehehehe...

Conseguiu lembrar de alguém?

Machado de Assis que o diga. Ele retratou bem como fica a pessoa diante da mosca que se considerava "a flor, a vida, a glória", quem a olhava, entrava em estado de êxtase.


A mosca azul,
por Machado de Assis

Era uma mosca azul, asas de ouro e granada,
Filha da China ou do Indostão.
Que entre as folhas brotou de uma rosa encarnada.
Em certa noite de verão.

E zumbia, e voava, e voava, e zumbia,
Refulgindo ao clarão do sol
E da lua — melhor do que refulgiria
Um brilhante do Grão-Mogol.

Um poleá que a viu, espantado e tristonho,
Um poleá lhe perguntou:
— "Mosca, esse refulgir, que mais parece um sonho,
Dize, quem foi que te ensinou?"

Então ela, voando e revoando, disse:
— "Eu sou a vida, eu sou a flor
Das graças, o padrão da eterna meninice,
E mais a glória, e mais o amor".

E ele deixou-se estar a contemplá-la, mudo
E tranqüilo, como um faquir,
Como alguém que ficou deslembrado de tudo,
Sem comparar, nem refletir.

Entre as asas do inseto a voltear no espaço,
Uma coisa me pareceu
Que surdia, com todo o resplendor de um paço,
Eu vi um rosto que era o seu.

Era ele, era um rei, o rei de Cachemira,
Que tinha sobre o colo nu
Um imenso colar de opala, e uma safira
Tirada ao corpo de Vixnu.

Cem mulheres em flor, cem nairas superfinas,
Aos pés dele, no liso chão,
Espreguiçam sorrindo as suas graças finas,
E todo o amor que têm lhe dão.

Mudos, graves, de pé, cem etíopes feios,
Com grandes leques de avestruz,
Refrescam-lhes de manso os aromados seios.
Voluptuosamente nus.

Vinha a glória depois; — quatorze reis vencidos,
E enfim as páreas triunfais
De trezentas nações, e os parabéns unidos
Das coroas ocidentais.

Mas o melhor de tudo é que no rosto aberto
Das mulheres e dos varões,
Como em água que deixa o fundo descoberto,
Via limpos os corações.

Então ele, estendendo a mão calosa e tosca.
Afeita a só carpintejar,
Com um gesto pegou na fulgurante mosca,
Curioso de a examinar.

Quis vê-la, quis saber a causa do mistério.
E, fechando-a na mão, sorriu
De contente, ao pensar que ali tinha um império,
E para casa se partiu.

Alvoroçado chega, examina, e parece
Que se houve nessa ocupação
Miudamente, como um homem que quisesse
Dissecar a sua ilusão.

Dissecou-a, a tal ponto, e com tal arte, que ela,
Rota, baça, nojenta, vil
Sucumbiu; e com isto esvaiu-se-lhe aquela
Visão fantástica e sutil.

Hoje quando ele aí cai, de áloe e cardamomo
Na cabeça, com ar taful
Dizem que ensandeceu e que não sabe como
Perdeu a sua mosca azul.



Agora você conseguirá detectar toda vez em que ver alguém mudar de comportamento por conta do poder que ganhou, e vai poder dizer sem medo de errar: "aí, vai mais um picado pela mosca azul!".

Já vi tantos...hehehehe...que toda vez que vejo uma mosca por perto, dou logo uma abanada...sai, mosca!

18.7.11

De Caso com a Poesia

Amigos são raros
(Christiani Rodrigues)


O que eu procuro no amigo?
Geralmente, aquilo que posso retribuir.

Porque tudo que a amizade quer
é troca
de um peso justo sem medida

se pender apenas para um lado
há erros,
e amizade é que não é.

O amigo precisa ter
brilho nos olhos e sal na pele
um tanto de verdade,
a sinceridade de um vidro que não quebra,
e saber relacionar-se com vida,
gratidão e solitude,
um pouco de riso,
uma lágrima de teimosia,

Precisa saber pôr o dedo na ferida,
sem deixar sangrar demais

Sem cremosidades,
o amigo precisa ter o frescor de um sorvete de fruta,
o calor nas mãos,
a naturalidade de coração
a liberalidade de sentimentos,
a generosidade de afetos.

De tudo, não precisa estar sorrindo,
necessita-se saber não ser pesado
muito menos acertar sempre
e se aprender a desatar o nó das angústias
tanto melhor,
deixou de ser amigo, passou a ser irmão.


Amigos são sempre tão raros.

Por outro lado, falado de outro modo
por ser poeta e ter a possibilidade de discernir espíritos,
isto percebo na lata;

De longe e por perto, o que mais detesto:
- o cinismo do fingimento.

Nada mais. Nada menos.

(Pelo dia do amigo - 20 de julho)




Aproveitando a inspiração, lá vai outra...feliz dia do Amigo!

7.7.11

De Caso com a Poesia

Tem dias que é assim
(Christiani Rodrigues)

Numa folha de papel pálida
a saudade tensa que não cabe
quando a caneta que se acha meio-cheia
quer falar sobre:
teus feitos
quem sabe, defeitos perfeitos

Numa espera comedida
pinto beijos à mão
sim, eu escrevo
sentimentos sortidos
tantos sonhos sentidos
que não perdem a exatidão da forma
e nem são tão breves

Contornadas à ouro e fogo
cravo palavras ao peito
eu quero te apaixonar
todas as vezes que voltares,
usando uma interseção
para mim

Se tens ouvidos, ouça
o meu coração fala ao teu
e o Espírito me diz: Voa!
Sim, eu já ouço...
ai, de mim que vou perecendo
- É o amor!



Quem disse que eu não voltaria? Amo muito tudo isso!