26.2.08

De caso com a poesia

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Quase juízo final
Jorge Luis Borges


Meu errante não fazer nada vive e se solta pela variedade da noite.
A noite é uma festa longa e solitária.
Em meu coração secreto eu me justifico e celebro:
Testemunhei o mundo; confessei a estranheza do mundo.
Cantei o eterno: a clara lua volvedora e as faces que o amor enseja.
Comemorei com versos a cidade que me cerca
e os arrebaldes que se apartam.
Disse assombro onde outros dizem apenas hábito.
Diante da canção dos tíbios, acendi minha voz em poentes,
Exaltei e cantei os antepassados de meu sangue e os antepassados de meus sonhos.
Fui e sou.
Travei com palavras firmes meu sentimento que pode ter
se dissipado em ternura.
A lembrança de uma antiga vileza volta a meu coração.
Como o cavalo morto que a maré inflinge à praia, volta a meu coração.
Ainda estão a meu lado, no entanto, as ruas e a lua.
A água continua sendo doce em minha boca e as estrofes não me negam sua graça.
Sinto o pavor da beleza; quem se atreverá a condenar-me
se esta grande lua de minha solidão me perdoa?

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