17.8.05

Reflexão Sobre Música Popular Brasileira

MPB


Guca Domenico* (especialmente para o De Ponta Cabeça)


Quando queremos comprar vinho, pensamos em vinho francês. Quando queremos comprar carro, pensamos em carro alemão. Quando queremos comprar chocolate, pensamos em chocolate suíço. Quando queremos comprar sapato, pensamos em sapato italiano. E por quê agimos assim? Porque queremos o melhor, o supra-sumo, o néctar.

A música popular brasileira deveria fazer parte desta analogia. É a mais sofisticada do planeta, ritmos variados como xote, maracatu, samba, choro, côco, martelo, etc., no entanto, importamos ritmos repetitivos e mecânicos, harmonias pobres e temáticas que não dizem respeito à nossa realidade.

Passei em frente a um colégio no bairro onde moro (Vila Madalena, São Paulo) e vi que os meninos se vestem como negros norte-americanos, ouvem suas músicas, pensam como eles.

Meu filho de 20 anos faz faculdade de música e fica indignado porque seus colegas não conhecem Noel Rosa, Lamartine Babo, Nelson Cavaquinho, mas sabem tudo sobre os estrangeiros.

Não podemos cultivar a vergonha da nossa brasilidade, mesmo que achem babacas; por quê não optamos por usar roupa de país tropical, ouvir música que retrate nossa realidade, nosso jeito de ser, a ginga que os gringos não têm (porque não conseguem copiar). No entanto, nossos meninos copiam os meninos de lá - porque é bem fácil.

É difícil lutar contra esse estado de coisas por uma razão muito simples: não se quer enxergar. Ou não se consegue. Há um vínculo emocional com a colonização cultural que nos submeteu. "Quando eu era pequeno, ouvia isso, os caras foram meus ídolos na adolescência, não dá pra separar." Que azar, meu irmão!

O jovem brasileiro (afirmo que 99%) desconhece a música popular brasileira e até se envergonha dela, porque é uma música feita de pau e corda, na raça, na base do talento, contra tudo e contra todos. O músico brasileiro tem de lutar com estilingue e mamona contra as bazucas das guitarras distorcidas, os samplers que copiam.

O pior desta submissão é que vendem ao adolescente a idéia de que o pop é uma forma de protesto contra o sistema - idéia vendida pelo próprio sistema. E o coitado vai comprar guitarra e formar o seu grupo de garagem para "protestar" de acordo com as regras que lhe são permitidas.

Hoje, adolescente rebelde é o cara que toca bandolim num grupo de choro. O que empunha vocifera sua "revolta" em forma de letra (dizem que tem "atitude"), faz cara de "mal", e usa outros códigos aceitos pela rebeldia-vídeo-clip, é um cara controlado, fichado, podado, enfim, um manso que serve para manter o faturamento da indústria da pobretização cultural.

Tem coisa pior: ouvir o discurso enfadonho e abominável de que não existem compositores como antigamente (leia-se Chico, Caetano, Jobim, Milton, etc.). Mas, se há ou não há, como saber? Existe espaço para eles se manifestarem, ou estes batalhadores estão de pires na mão, vendendo o seu trabalho porta-a-porta, divulgando boca-a-boca, resistindo bravamente à mesmice?

As perguntas são minhas, as respostas são do leitor.




* Escritor, músico, cantor e compositor. Foi um dos fundadores do Língua de Trapo, um dos mais importantes no cenário musical de humor da década de 1980. É autor dos livros "Sete Poemas e Uma Flor", "Gato Pardo", "Um Campeonato de Piadas", "O Jovem Noel Rosa" e "O Jovem Santos Dumont", os três últimos pela Editora Nova Alexandria.

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