A matéria abaixo foi publicada no Jornal do Commercio (RJ) no dia 31/12/05 e também a postei aqui para mostrar que já posso descer pra brincar no play. Como gente grande.
Brincadeiras à parte, o trabalho foi árduo. O melhor da história foi quando eu e minha parceira, Andreza Scolari, tivemos de subir na laje para fotografar a Luciane que é um mulherão. Paramos um bairro inteiro por causa dessas fotos. Eu ali, em cima do telhado, com uma mulher seminua e o povo todo olhando. Defino a experiência como hilária.
Enfim, se tiverem paciência e tempo para ler, acho que vai dar pra conhecer um pouquinho sobre o assunto em que tive imenso prazer de escrever.
As fotos são de minha autoria e scaneadas a partir do jornal. Beijo a todos ;-P
* Imprensa / Sociedade
Negócios e Voyeurismo sobre as lajes
Nos complexos urbanos do mundo de hoje, as pessoas sofrem com a falta
de espaço e infra-estrutura e isso não é nenhuma novidade. Cada vez
mais comprimidas, elas optam pelo espaço livre que há nos telhados e
lajes. Em Nova York, o fenômeno despertou tanta atenção que virou um
documentário chamado "Nos telhados de Nova York", que mostrou, além do
banho de sol costumeiro, verdadeiras florestas suspensas com cultivo
de árvores frutíferas, plantas ornamentais e hortas.
Tal como lá, aproveitamento e inovação são vistos no Rio de Janeiro,
onde a laje é amplamente preferida a outro tipo de cobertura. Aqui, o
fenômeno social acontece com mais freqüência em áreas carentes como os
subúrbios, as periferias, as favelas e a Baixada Fluminense.
Além de serviço e lazer, outros eventos sociais acontecem nessas
coberturas que vão desde banhos de sol, com mulheres enfiadas em
biquínis mínimos, mergulhadas em piscinas de plástico, até negócios
imobiliários como a compra e venda de tetos de casas, em alguns casos
considerados pelos proprietários como "heranças".
Esse é o caso do torneiro mecânico Germano de Andrade Filho, casado,
36 anos e morador da comunidade da Vila dos Pinheiros, Complexo da
Maré, que herdou uma laje de seu pai na favela Nova Holanda.
- A venda do espaço das lajes é considerada algo comum nas favelas
atualmente. O preço varia de acordo com a estrutura da casa de baixo.
Com cerca de R$ 7 mil, compra-se o espaço para dar início a uma nova
construção onde poderão morar duas ou mais famílias - diz Andrade.
De acordo com o torneiro mecânico, nesse tipo de negócio não existe
preço definido nem papéis de garantia, o que vale é a palavra da
pessoa. A verdade é que ninguém é dono de nada, porque se as facções
rivais do tráfico entrarem em guerra, as pessoas são obrigadas a
permanecer meses fora da casa ou até mesmo, em casos extremos,
abandonar tudo o que conseguiram. Houve uma época em que Andrade foi
obrigado a deixar a sua casa, tendo de morar com parentes e amigos
durante meses.
Já com o oficial de máquinas da Marinha Mercante Enilton Ubirajara
aconteceu algo diferente. Ele teve de buscar segurança em outro
estado. Por ter de viajar, a família ficava desprotegida porque a sua
laje servia como rota de fuga de traficantes em batidas policiais e
alguns viciados a usavam para se drogar. Não tendo alternativas, optou
por vender a casa e foi morar no Paraná.
- Nas favelas, a laje é uma via de acesso normal, usada para fuga de
bandidos em batidas policiais. Isso se torna possível porque as casas
são construídas coladas umas às outras, além de permitir que o
"patrulhamento" (dos marginais) do local seja feito pelo ar - informa
o oficial.
A verticalização é uma das soluções apresentadas para o problema da
falta de espaços em cidades cujos habitantes chegam a milhões. O
problema é que a ocupação desordenada junto à falta de intervenção
pública contribuem para o atual quadro geográfico-social caótico do
carioca.
Área metropolitana carece de serviços públicos e lazer
Para o sociólogo e professor Augusto Oliveira, o lado negativo disso é
que o Rio e sua área metropolitana crescem rumo à favelização, onde as
pessoas carentes estão sem acesso aos serviços públicos, incluindo
alternativas de lazer. E, se há alguma coisa boa é que, assim como o
quintal, a laje se tornou uma área de diversão, permitindo a expansão
da convivência social como festas, churrascos que não estão
subordinados a nenhuma regra coletiva, como num condomínio.
- A verticalização das casas ainda possibilita estratégias de usar a
construção em acúmulo de bens e negócios como as vendas das lajes -
acrescenta Oliveira.
De acordo com o arquiteto Gustavo Oliveira Souto, especialista em
infra-estruturas, as obras clandestinas nas favelas geralmente contam
com a experiência de profissionais que trabalham na construção civil.
Nesses locais, há pessoas que trabalham anos no ramo e não são poucos
os moradores que exercem funções de encarregados e mestres de obras,
ajudando-se mutuamente, construindo casas seguras. E, quando erram, é
porque simplesmente pediram material a mais, aumentando o custo da
obra. Em termos de cálculos estruturais, na maioria das vezes,
acertam.
- O maior risco desse crescimento vertical é com a infra-estrutura
porque só há o interesse pela construção da casa, ou seja, o lado de
fora não importa muito. Há problemas com escoamento de água, má
utilização da rede de esgotos e, devido às casas serem construídas sem
espaços entre elas, em caso de acidente, como um incêndio, as pessoas
podem ficar sem socorro - adverte Souto.
Outra manifestação social dos espaços livres em cima das casas é o
concurso Garota da Laje, que foi iniciado e patenteado em 2003 pelos
jornalistas Luis Antonio Bap e Renato Alves, revelando a beleza de
algumas mulheres que fazem do espaço da laje o seu local preferido de
tomar sol e bronzear o corpo.
Quando criaram o concurso, os jornalistas não calculavam que a
novidade iria virar febre nacional, caindo no gosto da mídia. A
vencedora da primeira disputa, Luciane Soares, moradora de Nova
Iguaçu, foi escolhida diretamente no popular Programa do Ratinho.
- A idéia nasceu no inverno. Queríamos fazer algo inusitado e quase
não acontece nada de interessante nessa época. Devido à exclusividade
do tema, as meninas foram escolhidas no Programa do Ratinho. Também
fomos entrevistados pelo Jô Soares, houve picos de audiência no
programa do Gugu Liberato, no Super Pop e, ainda, matérias em revistas
como Carta Capital, Isto é, Trip - diz Bap.
A vida da primeira vencedora do concurso mudou. Além de Garota da
Laje, o título de rainha do carnaval em Nova Iguaçu é dela há três
anos consecutivos.
- Hoje, quando estou em alguns locais não enfrento mais tantas filas e
as pessoas me pedem autógrafos na rua. Ganhei fama e prestígio e quero
aproveitar as oportunidades para, no futuro, comprar uma casa com laje
- frisa a bela.
Segundo Luciane, o sol pertence a todos e ela não abre mão de se
manter bronzeada o ano inteiro. Também aprendeu a dirigir o Fiat Uno
que ganhou no concurso e está estudando inglês atualmente.
Garota da laje: Sensualidade, beleza e um dia-a-dia difícil
Além de mostrar a sensualidade e a beleza natural das freqüentadoras
das lajes, o concurso tinha a intenção de trazer à tona as
dificuldades das comunidades que moram longe das praias, mas que nem
por isso deixam de se divertir. É uma opção que muitos preferem a ter
de enfrentar conduções caras, violência, arrastões e o tempo perdido
com a distância.
Ainda segundo o sociólogo Oliveira, a sociedade brasileira esconde
duas manias estranhas. A primeira é o disfarce das desigualdades
sociais sob uma falsa capa de afetividade, que oculta o abismo entre o
dono do carro importado e o biscateiro que lava esse carro, estes
sendo tratados por adjetivos carinhosos como chefia, campeão,
comandante, que negam essa distância.
A outra esquisitice é a curiosidade que o modo de vida dos pobres
desperta nos mais ricos. Ao invés de desinteresse, há uma espécie de
prazer voyeurista presente desde os tempos em que a Casa Grande vivia
bisbilhotando a Senzala.
- O sintoma dessas duas manias foi a comoção causada pelo Concurso
Garota da Laje. Por um lado, a representação festiva de um evento
cultural genuíno das classes baixas faz parte de um esforço não
consciente em neutralizar o mal-estar causado pelas nossas distâncias
sociais. Além disso, o olho da mídia exerce esse voyeurismo que
encarna um desejo coletivo: conhecer modos, hábitos e, porque não, a
sensualidade dos pobres, que ricos e remediados imaginam ser bem mais
vistosa que a sua própria - finaliza o sociólogo.
8.1.06
Brincando (muito sério!) de ser jornalista
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